quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Concerto

Perdi o sono. Mas acordei com vontade de escrever algo. Durante algum tempo encarei a tela do computador pensando sobre o que eu poderia escrever para hoje. Nada me vinha a mente, até que me lembrei um filme que me fez perder o sono. Há algumas semanas acabei encontrando esse filme passando no Telecine Cult às 5 da manhã e, quando me dei conta, olhei pela sacada do apartamento: o sol já havia nascido. 

Antes de adentrar espeficamente nos comentários sobre o filme, notei algo interessante, na verdade uma ausência, nesse blog. Apesar da música sempre ter ocupado um espaço extremamente importante na minha visa, me despertando as maiores e mais profundas emoções, nunca houve aqui uma postagem relativa à música, exceto alguns poemas que se referem aos suícidios de Ian Curtis e de Kurt Cobain.

Esse post, em última instância, pode terminar servindo para preencher uma lacuna que jamais compreendi porque não foi preenchida antes. Apesar de estarmos falando de cinema, o filme em questão possui um diálogo explícito e bastante belo com a música. Não por acaso, o filme que vou comentar hoje se chama "O Concerto" (Le Concert), do diretor romeno Radu Mihaileanu. 



Durante a última década do regime "socialista" (as aspas se explicam depois) há um concerto de música erudita ocorrendo no teatro Bolshoi na União Soviética. O Concerto para Violino de Tchaikovsky é executado pela orquestra regida pela batuta do maestro Andrei Filipov. Contudo, apesar da beleza do concerto, um funcionário do Estado sobe ao palco, parte ao meio a batuta de Filipov, acusando-o de ser inimigo do povo, por ter contratado a apoioado músicos judeus na orquestra do teatro. Repentinamente, as cortinas se fecham e o espetáculo se encerra antes do fim.

Trinta anos depois do concerto interrompido e da queda de União Soviética, a situação dos músicos da orquestra é bastante precária. Nenhum dos músicos se dedica mais à sua arte. Filipov, por exemplo, de maestro respeitado passa a zelador do Teatro Bolshoi. No entanto, algo inusitado acontece e reacende o sonho de Filipov em finalizar o Concerto interrompido há trinta anos. Ao limpar a sala do diretor do teatro, Filipov lê uma mensagem de fax enviada da França convidando a orquestra do Bolshoi para uma apresentação. O antigo maestro rouba o fax da sala do diretor e mostra a um antigo companheiro da orquestra.

A idéia de Filipov é mirabolante: reunir todos os músicos da orquestra e partir para Paris para finalizar o concerto. Para arcar com os custos da viagem, obtenção de passaportes e outros documentos, a orquestra conta com a ajuda de um membro do Partido Comunista, o antigo PCUS, partido este que fora responsável pela interrupção do Concerto há 30 anos. No entanto,apesar do conflito entre as partes ocorrido nos tempos da URSS, o diretor estabelece uma aproximação entre os músicos e o membro do Partido. Ambos se encontram falidos, destituídos das glórias que um dia obtiveram nos tempo da União Soviética. A situação do partido é tão precária que a mulher de Filipov é paga pelo partido para reunir pessoas em suas discursos e manifestações. Assim, os dois se encontram a procura de uma espécie de redenção.

Ainda que essas relações sejam tensas e conflituosas, no filma são tratadas com um tom cômico que acaba por suavizá-las. Em alguns momentos do filme o humor acaba por reproduzir alguns estereótipos, como o do judeu comerciante viciado em dinheiro, ou mesmo dos russos como grandes bebedores de vodka. No entanto, nada que venha a prejudicar a qualidade do filme, visto que as trapalhadas dos russos em Paris são um interessante contraponto à seriedade dos proprietários do teatro francês.

Esse tom cômico perdura até o momento em que novos conflitos são adicionados à cena. Como condição primordial de irem se apresentar na França, a falsa orquestra do Bolshoi exigiu que a violinista solo fosse uma jovem virtuose chamada Anne Marie Jacquet. Anne Marie é uma violinista mundialmente reconhecida e respeitada, mas que, assim como Filipov, possui uma relação inacabada com Tchaikovsky. Ainda que maravilhosa violinista, Anne Marie jamais havia tocado Tchaikovsky.

A despeito disso, Anne Marie aceita o convite da orquestra para a apresentação. No entanto, a maioria dos músicos da orquesta desaparece pelas ruas de Paris e não vai aos ensaios, o que, obviamente, deixa Anne Marie irritada e faz com que a garota rompa com o compromisso da apresentação. Após o rompimento um dos músicos da orquestra, Sascha, vai até a casa de Anne Marie para tentar convencê-la a voltar à orquestra. 

Sascha diz à Anne Marie que ao final desse concerto ela poderia encontrar seus pais. Anne Marie é órfã, tendo sido criada por uma mulher que lhe ensinara a tocar, mas sempre escondera a verdade sobre o que de fato havia acontecido com seus pais. A possibilidade de redenção com seu passado também termina por mover Anne Marie.

Assim, sabendo que Anne Marie voltaria ao concerto, Filipov consegue convencer que os músicos da orquestra voltem para o Concerto enviando mensagens de texto em seus celulares. A mensagem era simples e dizia: "Voltem! Por Lea!". É nesse momento que o filme assume seus contornos finais e também sua forma mais emocionante e sublime. 

É, portanto, no Concerto, que todos se redimem com seu passado. É por meio da música, do seu envolvimento, sua paixão, sua catarse, que todos os sentimentos e traumas do passado são postos à mostra e finalmente resolvidos. É durante o Concerto que o passado de Filipov, da orquestra, de Anne Marie se conectam e se entrelaçam de maneira sublime. Nesse momento, há poucas palavras que se sobrepõem ao som de Tchaikovsky. Aqui, o poder da música é supremo e é isso que torna O Concerto tão emocionante e dramático no seu desfecho.

Creio que tenha sido por essa razão que o filme tenha me impactado tanto nas duas vezes em que assisti e tenha me tirado o sono. Ainda hoje quanto toco, relembro algumas cenas desse filme que acabam me inspirando a continuar tocando e a tentar melhorar. Enfim, esses foram alguns comentários insones sobre O Concerto.

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