terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Alguns apontamentos sobre educação na análise de Antonio Gramsci

Para variar estou há algum tempo sem postar. Mas começo a perceber que essa falta de regularidade pode até vir a tornar-se uma vantagem. Os tempos de silêncio significam que estou ocupado com outros estudos, outras leituras ou mesmo que não tenho nada a dizer a quem lê esse espaço.

O texto que postarei hoje é resultado de uma reflexão desenvolvida para a disciplina que trata da organização curricular nas escolas, ministrada pela Prof. Graziela Pachane. Então, vamos ao texto:

O presente trabalho visa problematizar algumas questões acerca da estruturação do sistema educacional no início do século XX. Para tanto, partiremos das reflexões do filósofo italiano Antonio Gramsci, sobretudo de suas análises sobre os intelectuais e o princípio educativo. Trazer Gramsci para esse debate significa perceber a escola e os sistemas de ensino inseridos em um contexto de conflitos pela hegemonia, no qual diversos grupos políticos e sociais buscam imprimir determinado projeto na sociedade que disputam.
Deste modo, Gramsci, partindo de suas experiências da realidade italiana dos anos 1920-1930, busca pensar a escola de uma maneira essencialmente histórica, de modo que ao estudar a escola e os sistemas de estruturação do ensino podemos também compreender a sociedade que os gestou, percebendo que existem múltiplas determinações e interesses nessa estruturação. Nesse sentido, o filósofo italiano afirma que na sociedade moderna as ciências se tornaram mais complexas, mesclando-se intimamente à vida. Esse alto nível de complexidade e ligação à vida gerou a necessidade de criação de novos tipos de escola que formassem determinados intelectuais especializados no desenvolvimento dessas atividades práticas da vida moderna. Para Gramsci, nsse momento há uma ruptura com o modelo clássico de escola, amplamente baseado no "humanismo". Enquanto a escola do tipo tradicional busca "desenvolver em cada indivíduo a cultura geral ainda indiferenciada, poder fundamental de pensar e saber orientar-se na vida" (GRAMSCI, 2011, p. 32) , surge um novo tipo de escola que se baseia na produção de indivíduos especialistas em determinadas áreas.

Essa diferenciação ocorre em virtude do desenvolvimento industrial, que na Itália se inicia e se consolida entre o final do século XIX e início do XX. A indústria cria a ncessidade de produção de indivíduos dotados de um saber técnico-prático, em detrimento de indivíduos formados nas bases do pensamento humanista. Com isso, Gramsci aponta para uma diferenciação que obedece também à critérios sociais entre esses dois tipos de escola. A escola tradicional, humanista, ainda que perca espaço na sociedade, continua existindo com o objetivo de formar uma "elite de senhores e de mulheres que não devem pensar em preparar-se para um futuro profissional" (p. 33), enquanto a escola técnica destina-se a um amplo número de indivíduos que aprenderão uma determinada profissão. Portanto, nessa perspectiva, Gramsci aponta para a existência de marcas sociais na escola

"A escola tradicional era oligárquica já que destinada à nova geração dos grupos dirigentes, destinada por sua vez a tornar-se dirigente: mas não era oligárquica pelo seu modo de ensino. Não é a aquisição de capacidades de direção, não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes estratos uma determinada função tradicional, dirigente ou instrumental. Se se quer destrir essa trama, portanto, deve-se não multiplicar e hierarquizar os tipos de escola profissional, mas criar um tipo único de escola preparatória (primária-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o durante este meio tempo, como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige" 


Portanto, por meio desse trecho podemos perceber que cada escola possui determinada intencionalidade na formação de seus indivíduos. A escola pode tanto formar intelectuais capazes de assumir funções diretivas na sociedade, quanto sujeitos aptos a desenvolver atividades técnicas. Ainda que para Gramsci não seja o modo de ensino em si que confira a marca social à escola, a estruturação do currículo e dos saberes reafirmar esta marca social, uma vez que buscam atender à intencionalidade formativa da escola.

Nesse sentido, Gramsci percebe que, separados, os dois tipos de escola não são suficientes na formação do sujeito. Diante disso, o italiano propõe a idéia de uma escola unitária, que reordene as capacidades manuais e intelectuais do indivíduo. Assim, de forma simplificada, formando-se na escola unitária, as hierarquias sociais estabelecidas a partir das marcas sociais das escolas desapareceriam em torno de uma educação estruturada a partir da junção entre o saber prático, necessário à vida moderna e industrial, e o saber humanístico, necessário para a direção e reflexão acerca da sociedade. Com isso, Gramsci propõe formar um novo tipo de intelectual a partir de uma espécie de educação da práxis.

Deste modo, aqui procuramos problematizar algumas questões acerca da imbricação entre a história e a formação das escolas e da estruturação dos saberes escolares. Nesta discussão pudemos perceber que a escola leva a marca social de seu tempo e de suas hierarquizações sociais, possuindo determinadas intencionalidades e ideologias em seu interior. Assim, a escolha de Gramsci se dá na medida em que tais reflexões, apesar de terem sido elaboradas nos cárceres do fascismo nos anos 1930, nos auxiliam a pensar nosso próprio tempo, abrindo caminhos para pensar as marcas sociais de nossas próprias escolas, problematizando a questão do currículo, que surge também como um reforço de determinada marca.


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