Durante os últimos meses a questão das
cotas sociais e raciais nas universidades públicas brasileiras tem ocupado
inúmeras discussões e postagens nas redes sociais, sobretudo o facebook. Tais
posts se intensificaram em razão da atuação do ministro do STF, Joaquim Barbosa,
no julgamento do mensalão. Deste modo, esse texto é uma tentativa de
posicionamento e contribuição para um debate que necessariamente precisa ser
feito no Brasil de forma ampla e profunda. Em razão disso, não há aqui qualquer
pretensão de esgotamento do assunto ou mesmo de estabelecimento de uma posição
rígida e inamovível em relação ao problema posto.
Na rede social há diversas apropriações
da figura do ministro Joaquim Barbosa que, apesar da diversidade de abordagens,
dizem respeito a um discurso comum que parte de um lugar social específico. Em
sua maioria, as postagens abordam a luta de Barbosa contra a corrupção e o
mérito do ministro que, tendo superado o racismo e a pobreza, alcançou um dos
cargos mais importantes no judiciário brasileiro. Assim, por trás dessas
imagens, há a reprodução de uma espécie de lógica da meritocracia. Nessa
lógica, fundamentada pelo individualismo liberal, o indivíduo é responsável por
sua condição no mundo, de modo que sua pobreza ou riqueza é resultado exclusivo
de seus méritos ao longo da vida. Portanto, se Joaquim Barbosa se encontra hoje
à frente do STF isso se deve exclusivamente à seus méritos.
Obviamente, não estamos aqui
questionamento a capacidade e o esforço de Barbosa em sua trajetória jurídica;
o que estamos questionamento aqui é a universalização da trajetória de Joaquim
Barbosa, que é operada pelo discurso das classes médias, amplamente
fundamentado na lógica da meritocracia e em um liberalismo conservador à
brasileira. Assim, nessa ótica, se Barbosa conseguiu o que conseguiu, apesar de
suas condições, qualquer um, com o mesmo esforço, poderá também conseguir.
Portanto, um caso de alguém que conseguiu transformar suas condições de vida é
alçado à condição de regra.
O problema não é o mérito em si, mas a
sociedade em que se propõe o discurso da meritocracia, uma vez que esse
discurso termina por camuflar a desigualdade de condições existentes na
sociedade brasileira, bem como os limites no mercado de trabalho. É, portanto,
nessa questão das desigualdades que entra a proposta das cotas pelo governo
federal.
A proposta das cotas logo de início
denota o reconhecimento por parte do Estado das desigualdades sociais
existentes no Brasil e da situação terrível em que se encontra a educação
pública no país. Deste modo, a política de cotas é uma tentativa de equacionar
as desigualdades sociais, e inclusive raciais. No entanto, por si mesma, a
política de cotas é insuficiente no equacionamento dessas desigualdades. A proposta
atual não visa uma transformação do ensino público brasileiro, tampouco procura
diminuir as desigualdades sociais. Nesse sentido, caso se decida pela
manutenção do sistema de cotas sociais no Brasil, este deve ser implantado em
conjunto com outras medidas que visem a melhora da educação pública, de modo
que dentro de determinado tempo, o sistema de cotas se mostre desnecessário e
anacrônico.
Por outro lado, não consigo manter uma
posição maniqueísta, mantendo-me completamente contra ou completamente a favor
das cotas. De algum modo, o sistema de cotas colocará dentro da universidade
pública grupos sociais que provavelmente não ingressariam na universidade, conferindo,
assim, oportunidades de ascensão social à essas pessoas. No entanto, ainda que
tais grupos ingressem na universidade, a origem das desigualdades ainda será
mantida.
Diante desse ingresso das classes
trabalhadoras na Universidade, outras questões se impõem: qual a base de
conhecimento que o aluno ingressante por meio das cotas possui para a continuidade
de seus estudos na universidade, visto que o próprio Estado assume a
deficiência da educação oferecida? Haverá discriminação por parte dos alunos
não-cotistas em relação aos cotistas?
No momento não possuo quaisquer
respostas para tais pergunta. Meu intuito aqui foi apenas o de problematizar
determinadas questões, de modo bastante superficial, buscando oferecer uma
mínima contribuição para um debate imenso.
Excelente meu amigo. Embora eu me posicione contra, concordo plenamente com o seu posicionamento. Nem sabia que você andava escrevendo. Muito bom mesmo! Mas acredito que a solução não existe de forma imediata, como propõe o sistema de cotas. Isso é impossível na minha opinião. Acredito que o caminho correto seria o investimento MACIÇO em educação pública básica, pois seria a única maneira de todos termos condições de igualdade em uma disputa de vaga em universidades federais.
ResponderExcluirMarcus , realmente a questão da meritcracia em nosso país é muito peculiar , uma vez que carregamos em nossa herança o fardo do Homem Cordial (tornando nossa meritocracia mais uma questão de indicação do que de esforço). Não só isso , concordo plenamento quando você diz "outro lado, não consigo manter uma posição maniqueísta, mantendo-me completamente contra ou completamente a favor das cotas." . Como ser contra algo que abre um leque de oportunidades para aqueles que nunca são favorecidos em nossa sociedade ? Por outra lado , cotas não resolvem o problema da educação do nosso país ! Acho que uma revolução na educação pública deve ser feita , uma vez que é assegurado por lei "ensino de qualidade" , não canso de citar exemplos de paises que investiram todos os recursos na educação e hoje são mundialmente reconhecidos. Acredito que esse ciclo vicioso onde, o Estado não investe na educação de seu povo , e o povo , por justamente não ter recursos e nem capacidade critica que exigir/lutar por seus direitos , deve ser quebrado e com urgencia ! Entenda , não quero colocar aqui uma questão partidaria/politica, mas sim de exigir os direitos que nós é assegurado por lei, e que apenas uma pequena parcela tem conhecimento e o pior , sabe o quanto a educação é capaz de transformar uma nação. Enfim , espero aqueles que postam no facebook Joaquim barbosa se vangloriando se ter ascendido social e economicamente por ele mesmo , percebam também que , a meritocracia tem sua importancia , quando todos tem verdadeiramente condições iguais de competção.
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