segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vladmir Maikóvski: O poeta da Revolução? Parte 1

Depois de mais um tempo sem escrever ou postar nada (para variar), estou voltando para colocar algumas questões acerca do poeta russo Vladmir Maiakóvski. Meu primeiro contato com a obra do poeta se deu ainda na adolescência, a partir das publicações baratas da editora Martin Claret (baratas em sentido duplo mesmo). Agora por ocasião de trabalhos acadêmicos estou retomando a obra de Maiakóvski por um lado que eu desconhecia: o teatro. É, portanto, a partir de duas peças de teatro do autor que pretendo problematizar a tão célebre alcunha de Poeta da Revolução atribuída a Maiakóvski.

A primeira peça em questão foi pensada em 1917, ainda antes da Revolução de Outubro, mas somente encenada no ano seguinte, e tem por título Mistério-Bufo: um retrato heroico, épico e satírico da nossa época. Nessa obra, Maiakóvski retoma a passagem bíblica da Arca de Noé, dividindo os sobreviventes da inundação do mundo em pares de homens puros e impuros. Nenhum dos personagens possui nome, são categorias. No caso dos puros categorias nacionais e abastadas, como o francês-gordo, enquanto os impuros são categorizados por profissões, sem qualquer alusão a nacionalidade.

No decorrer da peça, os puros decidem construir a Arca para chegaram a algum lugar seco que possibilite a vida, mas se deparam com uma questão fundamental: eles não sabem construí-la, de modo que dependem do trabalho dos impuros para tal, como também necessitam dos impuros para obtenção de comida. Assim, no intuito de obterem comida dos impuros, os puros decidem impor-lhes um regime czarista, criando uma espécie de Estado autocrático na Arca. No entanto, a intenção dos puros se volta contra eles. O czar havia comida toda a comida sozinha, o que leva os puros a dar um golpe de Estado que rompe com o absolutismo do czar, instaurando a democracia.

Os impuros logo percebem que essa democracia implementada pelos puros não corresponde aos seus interesses, pois os puros comem a melancia enquanto os impuros comem apenas as sementes. Assim, os impuros jogam todos os puros no mar, passando a comandar os rumos da Arca. Todavia, como chegar à Terra Prometida? Eis que surge a figura do Homem Comum, o mais comum de todos os homens, que os mostra o caminho e cujo espírito passa a habitar em cada um dos impuros.

A Arca dos impuros logo alcança o inferno, onde aparecem diabos e o próprio Belzebu tentando atormentá-los em seu caminho rumo à Terra Prometida. Contudo, quem se assusta não são os impuros, mas os próprios demônios. As experiências que passaram os impuros na terra, de intensa exploração e expropriação do trabalho, são piores do que aquelas existentes no inferno. Com isso enfim seguem adiante adentrando à Terra Prometida. No entanto, antes adentram o Céu, que se apresenta não como a Terra Prometida, mas como um lugar tedioso, onde só se comem nuvens. Aqui, a figura do Homem Comum reforça a ideia de que os impuros não necessitam da condução de nenhum puro ou profeta para atingirem seus objetivos.

Por fim, a Arca chega à Terra Prometida, um paraíso terrestre que os impuros mal podem acreditar na existência. Tendo encontrado na entrada do lugar um Lanterneiro, este mostra aos impuros o que há nessa nova terra. E assim aparecem uma série de objetos que não possuem dono. Estão lá para o uso dos impuros na produção de sua nova existência sem patrões ou mesmo senhores. Os impuros agora são os arquitetos da terra e podem consolidar o mundo em que estes podem se desenvolver sem a exploração de senhores e profetas.

A primeira vista podemos encarar Mistério-Bufo como uma celebração da Revolução Bolchevique e, de fato, a peça o é, tanto que é encenada em comemoração ao primeiro ano da Revolução. No entanto, há diferenças fundamentais entre a revolução de Lenin e a de Maiakóvski. A Revolução Bolchevique ocorre a partir da existência e da influencia controladora do partido e da vanguarda do proletariado que fala em nome dos interesses da classe, dirigindo, assim, os rumos do processo revolucionário. A revolução de Mistério-Bufo rejeita as concepções da vanguarda do proletariado. Quem elimina a classe dos puros e rejeita a palavra dos profetas são os próprios impuros, ou os proletários, tendo consigo o espírito do mais comum dos homens. Assim, o proletariado de Maiakóvski é consciente de seus interesses e executa sua própria revolução, construindo um paraíso terreno.

No terreno real da História, não é a revolução de Maiakóvski que ocorre, todavia é interessante analisarmos as perspectivas do poeta, de modo a perceber que um dia a história da Revolução Bolchevique não estava pronta, fechada e definida, como está nos dias de hoje. Portanto, olhar para o passado a partir das lentes de Maiakóvski é retomar a perspectiva crítica ao modelo de socialismo soviético, de dentro da própria Russa, de um de seus maiores poetas. Outros Outubros eram pensados e possíveis.

Nessa primeira parte do post sobre Maiakóvski analisamos a peça Mistério-Bufo, no próximo post, que eu espero que não demore tanto tempo, pretendo analisar outra peça do poeta, escrita em 1927, dez anos após a Revolução e alguns anos antes do suicídio de Maiakóvski, chamada O Percevejo. A partir dela poderemos notar como o poeta experienciava a primeira década revolucionária, e veremos que o tom é totalmente diferente.

Um comentário:

  1. Saudações quem aqui posta e quem aqui visita.
    É uma mensagem “ctrl V + ctrl C”, mas a causa é nobre.
    Trata-se da divulgação de um serviço de prestação editorial independente e distribuição de e-books de poesia & afins. Para saber mais, visitem o sítio do projeto.

    CASTANHA MECÂNICA - http://castanhamecanica.wordpress.com/

    Que toda poesia seja livre!
    Fred Caju

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