segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A Revolução Francesa da Historiografia?





Postarei agora um misto de resenha e fichamento do livro A Escola dos Annales: A Revolução Francesa da Historiografia 1929 - 1989) que foi escrito como um trabalho para a disciplina A Escrita da História no século XX, ministrada pela Profª Dra. Glaura Teixeira.









Peter Burke inicia seu livro com um prefácio expondo os problemas a tratar durante todo o texto. Assim, já nos revela a polêmica da temática que estamos adentrando utilizando-se do próprio termo escola, o qual por vezes é rejeitado, inclusive pelos membros, em virtudes das diversas contribuições coexistentes no interior dos Annales.
Contudo, Burke estabelece um núcleo central dos Annales, composto por Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie e dois de seus pilares básicos, a história-problema e a interdisciplinaridade, ilustrada nas palavras de Febvre: “Historiadores, sejam geógrafos. Sejam juristas, também, e sociólogos e psicólogos. (FEBVRE apud BURKE, p. 12)

Posto isto, o autor nos confere a certeza de que estamos lidando com uma temática ampla que se desenvolveu ao longo de quase um século sendo exposta por gerações de historiadores e não historiadores de várias disciplinas que nem sempre concordam entre si, mas que certamente trouxeram algum tipo de contribuição ao tão polissêmico ofício do historiador.

Assim, em cinco capítulos vemos contemplados um panorama geral do que se pensava acerca da história anteriormente aos Annales, as três gerações da escola e da revista, sua acolhida entre os historiadores de inúmeras partes do mundo e um balanço geral que procura ponderar os sucessos e os insucessos dos Annales, bem como seu impacto na historiografia, o que nos mostra que Peter Burke, apesar de um entusiasta assumido do movimento, possui discernimento crítico acerca do meio historiográfico no qual se insere.

Para compreender seu objeto de estudos o autor torna olhos à Antiguidade Clássica, no que entendemos pela origem da história e da historiografia enquanto campos do conhecimento com Heródoto e Tucídides, abordando que destes estes a história vem sido escrita no prisma de uma crônica monástica, política, sendo rompida pela primeira vez somente durante o Iluminismo. Há que se ater cuidado em tais generalizações, uma vez que as fazendo corre-se o sério risco de agrupamento de diferentes que possuem alguma característica em comum em um mesmo bojo, equiparando aquilo que não equipara, exceto por lances de entendimento didático.
Na perspectiva do rompimento com a história política tradicional, o autor cita Voltaire que no século XVIII escreve Essai sur lês moeurs, preocupando-se com o que Burke nomeia histórica social, em virtude do estudo das leis, do comércio e dos costumes.

No entanto, apesar do rompimento, ainda havia aqueles que se pautavam exclusivamente no estudo da história política tradicional, a exemplo de Ranke e de seus epígonos mais intolerantes. Entretanto, o próprio Ranke é geralmente mal interpretado, sobretudo no que concerne a uma citação que diz que seu objetivo é estudar os fatos como se deram e há também rompimento por parte dos historicistas com a história política tradicional não mencionados por Burke.

Dentro do próprio historicismo alemão podemos encontrar, por exemplo, em Dilthey, as ciências humanas separadas das ciências naturais em virtude de seu método. Além disto, para Dilthey, a história é a compreensão da vida que se dá através das manifestações desta, assim há uma relevância no estudo dos símbolos e das representações que contêm em si as manifestações da vida, possibilitando que o historiador chegue ao entendimento da sociedade em seus níveis elementar e superior, escapando à história dos grandes nomes, das biografias e das narrativas.
Feito este parêntese, voltemos à Peter Burke que enumera ainda alguns autores que inovaram a escrita da história, como Michelet, autor de uma história vista por baixo, Buckhardt e suas três forças: estado religião e cultura, Fustel de Coulanges, que se foca na análise da religião, da família e da moral, François Simiand com sua destruição dos ídolos da história tradicional: políticos, individuais e cronológicos. Por fim, o autor cita os nomes de Comte e Durkheim e os postula como autores que desprezam os eventos e os nomes. Tal análise de Burke é bastante correta e contribui para a correção de um erro genérico que costume igualar historicismo e positivismo à história política tradicional. No positivismo tal escrita pautada em grandes homens é impossível devido às leis naturais que guiam o processo e progresso histórico rumo ao estágio positivo, deste modo, não há homem ou evento que possam desvirtuar esse norte.

Deste modo, estava armado o cenário da revolução, conceito que iremos analisar mais a frente, e seus soldados revolucionários estavam prestes a aparecerem em cena: Marc Bloch e Lucien Febvre, o célebre duo de Estrasburgo. Tal epíteto se deu em virtude do encontro de ambos na Universidade de Estrasburgo, onde lecionaram no período entre 1920 e 1933. Juntos, puderam pôr em prática suas idéias acerca da escrita da história e fundar a revista dos Annales.

Já em seu início, os Annales já estavam erguidos sobre os pilares da história-problema, da interdisciplinaridade e da negação da história política tradicional. Deste modo, podemos notar em Febvre uma ligação com a geografia, sem qualquer determinismo geográfico e de Bloch com a sociologia de Durkheim.

Paulatinamente, ambos vão derrotando os ídolos cronológico, individual e político. O primeiro é derrotado, sobretudo na quebra dos períodos cronológicos estanques e pré-estabelecidos que comumente não conseguem apreender a complexidade do processo histórico. O segundo e o terceiro caem na conceituação de história de Marc Bloch - ressaltando aqui que o ídolo político se liga diretamente ao individual – “A história é a ciência dos homens no tempo”. Com isso, Bloch explicita que a história busca dar conta das relações de todos os homens no tempo, atribuindo-lhes o papel de atores na história.

Os Annales começaram como uma revista de seita herética. “É necessário ser herético”, declarou Febvre em sua aula inaugural, Oportet haereses esse. Depois da guerra, contudo, a revista transformou-se no órgão oficial de uma igreja ortodoxa. Sob a liderança de Febvre os revolucionários intelectuais souberam conquistar o establishment histórico francês. (BURKE, p. 44)


Nessa citação é nítida a importância de grau revolucionário que Peter Burke atribuiu aos Annales e seus fundadores, sobretudo Lucien Febvre que assumiu a liderança da revista em razão da prisão e morte de Bloch pelo regime nazista. No entanto, cremos que é exagerada essa importância revolucionária dos Annales exposta por Burke, sobretudo pelo fato de que os pilares básicos pelos quais se vangloriam os Annales já eram praticados anteriormente já no século XIX. Ademais, podemos ainda notar resquícios historicistas na “Apologia da História” de Marc Bloch.

Antes de proferirmos nossas críticas, é necessário ressaltar que não estamos negando de forma alguma a importância e a legitimidade dos trabalhos desenvolvidos no âmbito dos Annales, ao longo do tempo. A crítica, portanto, deve sempre ser lúcida, elogiar aquilo que se julga necessário e criticar, com fundamentos teóricos, aquilo que se necessite.

O próprio autor nos mostra em seu primeiro capítulo que diversos pensadores já haviam rompido com a história tradicional e que o que na obra é chamado de revolucionário já vinha sendo praticado há certo tempo. Entretanto, Burke não cita autores que produziam reflexões interdisciplinares e se pautavam em problemas.

Marx talvez seja o melhor exemplo do que queremos aqui demonstrar. Em seu vasto pensamento podemos notar um diálogo com a história, com a economia, com o que viria ser a antropologia, com o direito com a filosofia e sociologia. Se pegarmos, por exemplo, “A Ideologia Alemã”, notaremos que há uma crítica filosófica ao idealismo alemão e a construção de uma teoria da história pautada na construção da mesma pelos homens e não somente pelos grandes homens. Além disso, Marx é um estudioso da sociedade de seu próprio tempo e busca a história para responder aos problemas históricos desta. Portanto, em Marx já existe o que Peter Burke denomina como

revolucionário nos Annales.
Contudo, o pensamento de Marx não adentra à academia, restringindo-se aos partidos políticos. Como Burke nos revela, a seita herética de uma revista passa a ser o porta-voz de uma intelectualidade que se institucionaliza, passando a se tornar um paradigma de escrita da história de ótima acolhida na França e posteriormente em alguns lugares do mundo.

No que diz respeito aos resquícios do historicismo alemão na obra de Marc Bloch vemos uma aproximação da história com a arte, apesar da primeira nunca perder seu estatuto de ciência, Bloch diz para que não retiremos a parte de poesia do nosso ofício e preza a sensibilidade do historiador quando o compara a um luthier, cujo trabalho se configura no milímetro, mas é orientado pelos ouvidos e pela sensibilidade do luthier.

Entretanto, não podemos de forma alguma ignorar as inovações dos Annales; mostrar que o mesmo não constituiu uma revolução não exclui as inovações trazidas por estes. Com Bloch, algo que parece passar despercebido por Burke, a ciência histórica adquire elementos de paixão e prazer que transbordam na prosa do Bloch e que contrasta definitivamente com o ambiente lúgubre em que o autor se encontra.

Além disso, há uma ampliação das fontes e documentos a serem utilizados pelo historiador em suas pesquisas. Nos períodos anteriores havia uma ênfase no documento escrito, com o advento dos Annales, qualquer vestígio humano pode tornar-se um documento, bastando para isso a ação interrogativa do historiador, que como o mesmo Bloch no sugere, é como o ogro da lenda, seu faro o conduz para onde há carne humana.
Sabemos, pois, da criação dos Annales seus fundadores e suas respectivas inovações, cabe agora analisarmos o papel de seu herdeiro, Fernand Braudel, na consolidação e institucionalização da escola. Braudel assume a direção da revista entre 1956 e 1985 e é herdeiro direto do pensamento de Lucien Febvre, ao qual dedica sua tese de doutorado dizendo que este fora seu pai intelectual.

A Era Braudel, utilizando-nos dos termos de Burke, é marcada pela expansão do pensamento annaliste e pela influência do pensamento braudeliano no qual se pautara a revista a partir de então.

A preocupação de Braudel é situar indivíduos e eventos num contexto, em seu meio, mas ele os torna inteligíveis ao preço de revelar sua fundamental desimportância. A história dos eventos, ele sugere, embora “rica em interesse humano, é também a mais superficial. (BURKE, p. 47)

Braudel aspira a uma história total que se pauta na longa duração, continuando uma das premissas da destruição do ídolo cronológico, no entanto, o faz em uma história quase sem homens, uma vez que para o autor os homens pouco podem influir em seus destinos em virtude da estrutura que assim os moldou. Assim escreve sua tese de doutoramento, O Mediterrâneo, em três volumes, lançando mão da interdisciplinaridade, sobretudo no que concerne à geografia.

Já nesse momento há divergências entre os fundadores e o sucessor. Bloch apontava os homens como os principais construtores e atores da história enquanto Braudel minimiza ou quase anula o papel humano em sua escrita da história. Além disso, Braudel muda o nome da revista acrescentando o termo civilização, denotando um de seus objetos de estudos, bem como suas culturas materiais.
Uma das inovações braudelianas foi certamente as a divisão do tempo em curta, média e longa duração. A curta duração seriam os eventos, aquilo que passa com uma rapidez quase sem deixar rastros. A média duração diz respeito a algo mais duradouro ou que muda com mais lentidão. A longa duração é uma história quase imóvel que pode se estender por séculos.

De todo feito, a obra de Braudel é importante por sua síntese entre o que pode ser denominado a “pequena história” do dia-a-dia, facilmente transformável em mera descrição, anedotário ou antiquarismo, e a história das grandes tendências socioeconômicas da época. (BURKE, p. 60)

Nesse excerto, Burke aborda a importância de Braudel em virtude de suas articulações de cotidianos com a sua extensa escrita desejosa da totalidade que nos revela as tendências socioeconômicas de um longuíssimo período do tempo. Todavia, Braudel não está inteiramente sozinho nas inovações na produção historiográfica dos Annales. Labrousse introduz o marxismo na escola e Le Roy Ladurie nota as insuficiências do paradigma braudeliano e esforça-se para mudá-lo.

Assim, podemos adentrar nas análises acerca da terceira geração dos Annales que é marcada pela fragmentação na direção da revista, não havendo mais um ou dois diretores ao estilo de Bloch e Febvre e de Braudel, por uma ampliação dos temas e de suas abordagens, levando ainda mais longe a interdisciplinaridade no que diz respeito aos diálogos com a antropologia e a psicologia.

No correr dos anos 60 e 70, porém, uma importante mudança de interesse ocorreu. O itinerário intelectual de alguns historiadores dos Annales transformou-se da base econômica para a “superestrutura” cultural, do “porão ao sótão” (BURKE, p. 81)

Podemos notar, pois, uma mudança brusca nas análises da escola, que nas palavras de Burke sobem do porão ao sótão, fazendo com que a outrora marginalizada história das mentalidades se fortalecesse e fosse objeto de diversos estudos. Nesse contexto, temas como a história da sexualidade, do corpo, da infância, da morte, do medo, das mulheres foram incluídos por historiadores como Georges Duby, Robert Mandrou, Jacques Le Goff, Marc Ferro, entre tantos outros que tomariam inspiração nos trabalhos de Pierre Bordieu, Michel Foucault, Michel de Certeau, Roger Chartier.

A história das mentalidades não foi marginalizada nos Annales, em sua segunda geração, apenas porque Braudel não tinha interesse nela. Existiram pelo ao menos duas outras razões mais importantes para essa marginalização. Em primeiro lugar, um bom número de historiadores acreditava, ou pelo menos pressupunha, que a história social e econômica era mais importante, ou mais fundamental que outros aspectos do passado. Em segundo lugar, a nova abordagem quantitativa, analisada no capítulo anterior, não encontrava no estudo das mentalidades o mesmo tipo de sustentação oferecido pela estrutura socioeconômica. (BURKE, p. 89)

Além disso, podemos aventar a historicidade desses historiadores da terceira geração, uma vez que pertencem a geração da década de 60 francesa, uma geração extremamente contestadora e apreciadora da cultura, inclusive como um dos modos de revolução, assim os estudos culturais, das mentalidades, do corpo, da sexualidade estavam certamente concatenados com as demandas do tempo histórico em que se inseriam tais historiadores.

Nesse bojo, Peter Burke, ressalta três aspectos positivos na reação contra a história estrutural e quantitativa: as correntes antropológicas, o retorno política e o ressurgimento da narrativa. Há uma crítica que aborda a pouca relação dos Annales com a política, o que é errôneo, visto que há em Marc Bloch, nos “Reis Taumaturgos”, estudos de política. No entanto, Febvre e Braudel pouco se dedicaram a

mesma, entendendo-a como superficial.
Portanto, a nova história política é uma reação a Braudel e as formas de determinismo. Essa história emerge apropriando-se, inclusive, dos paradigmas dos Annales, problemática, interdisciplinar e vasta em fontes. Neste ponte, vemos surgir conceitos como o de cultura política com Almond e Verba nos Estados Unidos e a presença da política nos microcosmos, como a família, a fábrica e a escola com Foucault.

A isto, podemos também relacionar o ressurgimento da história dos acontecimentos entendidos em um duplo aspecto: como espelho da sociedade ou como um ponto de mudança da mesma. Assim, se pensarmos nas temporalidades braudelianas é possível enxergar um coexistência temporal e uma influência entre os mesmos, uma vez que um acontecimento pode revelar uma continuidade que se prolonga na longa duração ou pode em sua efemeridade romper com a média ou longa duração, inaugurando outras temporalidades que podem ser tanto curtas, médias ou longas.
Posto isto, Peter Burke, em seu capítulo final irá abordar os Annales em uma perspectiva global procurando notar sua aceitação ao redor do mundo e assim produzir um balanço final, ponderando seus prós e contras na escrita da história do século XX.
Assim, o autor nota a boa acolhida dos Annales em diferentes lugares, como por exemplo Itália, Espanha e Alemanha. Na América do Sul, sobretudo no Brasil, houve também grande aceitação em razão da grande influência de Braudel em sua passagem pela Universidade de São Paulo. Já na Inglaterra, essa aceitação se deu somente por parte de alguns historiadores:

Inclusive a relação entre os Annales e o marxismo diferiu de lugar para lugar. Na França, a simpatia pelo marxismo se acompanhava, geralmente, de uma certa distância em relação aos Annales, apesar da lealdade dúplice de Labrousse, Vilar, Agulhon e Vovelle. Na Inglaterra, ao contrário, os marxistas, especialmente Eric Hobsbawm e Rodney Hilton, estavam entre os primeiros a saudar os Annales. Pode-se entender essa acolhida em termos de estratégia intelectual: os Annales eram um aliado na luta contra o domínio da história política tradicional. É possível também que os marxistas estivessem impressionados com a afinidade entre a sua história e a dos franceses – não somente devido a ênfase nas estruturas e na longa duração, mas também por sua preocupação com a totalidade, um ideal que foi de Marx antes de ser de Braudel. A afinidade tornou-os mais receptivos à mensagem dos Annales. (BURKE, p. 112 – 113)

As palavras de Peter Burke são claras, entretanto, é necessário ressaltar a fim de evitar subentendimentos equivocados no que concerne ao marxismo. Apesar da proximidade de alguns membros marxistas da escola social inglesa com os Annales, estes nunca abandonaram o marxismo, como o próprio Hobsbawm que ainda aos 93 anos professa o marxismo.
Se os Annales receberam influências de outras ciências sociais, estas, por sua vez, também receberam influência determinante dos Annales:

A acolhida dos Annales nunca se confinou às fronteiras da história. Um movimento que se fundamentou em tantas das “ciências do homem” atraiu naturalmente o interesse dessas disciplinas. (...) No desenvolvimento intelectual de Foucault, por exemplo, a “nova história” francesa desempenhou um papel significativo. Foucault caminhou em linhas paralelas às da terceira geração dos Annales. Da mesma maneira que ela, estava preocupado em ampliar os temas da história. Ele tinha algo a ensinar-lhes, como já vimos, mas havia o que deles aprender, também. (BURKE, p.117)

Por fim, tendo ciência do que fora pensado e produzido anteriormente aos Annales, as três gerações, bem como sua repercussão no mundo da história e das ciências sociais e nos diversos países, é necessário, pois, estabelecer um balanço final que dê conta desse movimento histórico e historiográfico. Nas palavras finais de Peter Burke:

Da minha perspectiva, a mais importante contribuição do grupo dos Annales, incluindo-se as três gerações, foi expandir o campo da história por diversas áreas. O grupo ampliou o território da história, abrangendo áreas inesperadas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos métodos para explorá-las. Estão também associadas à colaboração com outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia e da lingüística, da economia a psicologia. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes na história das ciências sociais. É por essas razões que o título deste livre se refere à “Revolução Francesa da historiografia”, e que seu prefácio se inicia com estas palavras: “Da produção intelectual, no campo da historiografia, no século XX, uma importante parcela do que existe de mais inovador, notável e significativo, origina-se da França.” A historiografia jamais será a mesma. (BURKE, p 126 -127)

Há muita razão em algumas partes da conclusão de Burke, o único ponto em que não concordamos e que já expusemos acima as razões da discordância é quanto ao conceito revolução empregado no movimento dos Annales. A despeito disto, de fato o movimento foi responsável por uma ampliação enorme nos campos da história e nos diálogos entre as ciências sociais. No entanto, tal ampliação abriu precedentes para uma fragmentação excessiva da escrita da história e uma perda das identidades do historiador, bem como do próprio movimento dos Annales, que é exposta pelo autor, e que se dá em virtude dessa vastidão de descobertas e campos que termina por quase dissipar o movimento.

Atualmente tudo parece ser passível de estudo e há uma vastidão do vasto e uma vastidão do específico que impõe um dilema historiográfico gravíssimo: a observação das folhas da árvore, da árvore ou da floresta. Assim, neste campo de possibilidades e de rompimento das fronteiras a cientificidade da história é questionada e por vezes nossa ciência é considerada apenas como narrativa literária dotada de uma subjetividade que não lhe permite produzir um conhecimento científico.
Observar a folha da árvore desprendida da árvore ou da floresta é uma destruição das estruturas, o que é legítimo na ambição da reconstrução da estrutura com novos conhecimentos produzidos ou para revelar resistências. Observar a exceção pela exceção e somente estas leva a uma história ainda mais estilhaçada, e de estilhaços sem cola, que não se fixam.

Nesses momentos de fragmentação causados por uma ampliação benéfica é necessário que não nos esqueçamos do diálogo entre pesquisadores e disciplinas, para que este não se restrinja exclusivamente a pequenos grupos trancados em seus departamentos, contribuindo ainda mais para a fragmentação da história. Nesses tempos do conhecimento e da informação sendo propagados ao extremo e nos extremos, é necessário que repensemos o papel do historiador e do conhecimento histórico, ressaltando sempre a sua identidade, mesmo que múltipla, seu papel e o da história.

Talvez seja profícua aos Annales uma retomada na leitura de seus fundadores, sobretudo de Marc Bloch, uma vez que há em Bloch uma dimensão poética do ofício do historia, uma dimensão do sensível que não tolhe em momento algum a cientificidade da história. Em sua interdisciplinaridade há um diálogo entre pesquisadores que respeita suas identidades e especificidades e a legitimidade dos estudos históricos que se operam em virtude dos apetites intelectuais e das curiosidades e prazeres do próprio historiador.

Por fim, tal diálogo é enorme e ultrapassa os limites destas folhas. Contudo, fica a certeza aventada por Peter Burke, a historiografia jamais será a mesma depois dos Annales, para o bem ou para o mal.

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