Boa madrugada, meus caros leitores. Postarei agora minhas considerações tecidas a partir da leitura do livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte escrito por Karl Marx. Devido ao tamanho do texto irei fazer uma postagem para cada capítulo do livro. Aqui vão as considerações do Prefácio e do Capítulo I que não tem título.
O 18 Brumário de Luís Bonaparte narra na perspectiva do materialismo histórico dialético o golpe de Estado deflagrado por Luís Bonaparte a 2 de Dezembro de 1851 na França e suas imediatas conseqüências. Para tal, Marx se vale de um recorte temporal curto que se dá entre 1848, queda de Luís Filipe, e fevereiro de 1852, portanto, alguns meses após o golpe.
É interessante notar que o início da escrita do livro quase coincide com o término do recorte temporal escolhido pelo autor. Marx inicia o 18 Brumário em dezembro de 1851 e o encerra em março de 1852. Todavia, apesar de colado aos acontecimentos que analisara, vemos uma análise bastante lúcida do problema em questão que vislumbra os diversos aspectos e as diversas classes em conflito que coexistem dentro de seu objeto, o que, por sua vez, nos aponta que não há, de fato, necessidade de o autor se distanciar em média cinqüenta anos de seu objeto para produzir uma análise válida.
Originalmente o livro foi escrito para um seminário político em Nova Iorque que não ocorreu fazendo com que o livro fosse publicado em capítulos mensalmente em um periódico alemão chamado Die Revolution, sendo somente reeditado em livro em 1869.
Marx não foi o único a analisar o tema, o mesmo reconhece a existência de diversas obras, no entanto, apenas duas são dignas de nota, apesar das ásperas críticas tecidas pelo autor a estas: o Napoleón, le Petit e de Proudhon, Coup d’etat. Nas palavras de Marx:
Victor Hugo limita-se à invectiva mordaz e sutil contra o responsável pelo golpe de Estado. O acontecimento propriamente dito aparece em sua obra como um raio caído de um céu azul. Vê nele apenas um ato força de um individuo, atribuindo-lhe um poder pessoal de iniciativa sem paralelo na história do mundo. Proudhon, por sua vez, procura representar o golpe de Estado como resultado de um desenvolvimento histórico anterior. Inadivertidamente, porém, sua construção histórica do golpe de Estado transforma-se em uma apologia histórica de seu autor. Cai, assim, no erro dos nossos historiadores pretensamente objetivos. Eu, pelo contrário, demonstro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói. (p. 14)
Por meio desse excerto podemos notar uma ruptura de Marx com o que atualmente comumente se chama por história dos grandes homens. Para Marx, em Victor Hugo, há uma supervalorização da figura de Luís Bonaparte de modo que o golpe aparece como ato de um homem só, ignorando as condições históricas e as contradições presentes no mundo material que condicionaram o golpe. Desse modo, aparece como uma surpresa inimaginável, um raio caído do céu azul. Proudhon, por sua vez, cai em erro semelhante ao elevar a figura de Bonaparte, apesar de demonstrar que o golpe é um resultado histórico, mostrando que, a despeito da pretensa objetividade analítica, há nestes historiadores uma margem de subjetividade. Assim, as intenções de Marx já estão delineadas: mostrar que o novo 18 Brumário, o Brumário do sobrinho de Napoleão, não é um raio caído de um céu, tampouco obra de um político sobrenatural, mas resultado do processo de luta de classes estabelecido na França.
Em uma leitura superficial desse excerto pode levar a conclusão de que o materialismo histórico dialético é um determinismo ou uma doutrina de previsão dos acontecimentos e rumos da sociedade. Em nossa leitura, não há determinismo no que concerne a tal método, visto que Marx ao longo da obra expõe que a história é vasta em possibilidades que se inserem dentro das condições históricas às quais a sociedade se submete. O movimento da luta de classes é executado pelos homens com as condições que receberam do passado, o que não quer dizer que estes homens estejam presos em uma trama da história que os impede de revolucionar ou prosseguir com o que herdaram. Nos termos do autor:
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a se si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nestes períodos de crise revolucionária, homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada. (p. 19)
O passado está vivo e condiciona o presente mesmo ao ponto da própria ruptura do presente com o passado, fazendo que nos momentos de vontade de destruição dessas condições legadas o próprio passado seja levantando, fazendo com que as soluções para as demandas históricas distem da realidade e encontrem suas soluções em espectros e na imaginação:
A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda a veneração supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram de lançar mão de recordações da história antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do século XIX deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase. (p. 22)
Portanto, além do fato de não haver determinismo, o materialismo histórico é essencialmente calcado na realidade que busca explicar e, sobretudo, transformar esta realidade a partir da teoria e da prática que se unem na unidade dialética práxis. Assim, as reflexões de Marx serviram à teoria e à prática revolucionárias de seu tempo e ainda nos servem se nos atentarmos às nossas próprias condições histórias e à nossa própria realidade.
Nesse sentido, o que ocorre na França entre 1848 e 1851 é o contrário. O fantasma da velha revolução (que também se voltara ao passado do Império Romano) volta a caminhar buscando a garantir novamente as concessões liberais que foram tolhidas do Estado após várias lutas. Esse é o espírito da revolução de fevereiro, o capítulo inicial do golpe de Bonaparte.
Assim, Marx divide seu recorte temporal em três períodos. O primeiro deles é o Período de Fevereiro, que vai de 24 de fevereiro de 1848 a 4 de maio de 1848, da queda de Luís Filipe à formação da Assembléia Constituinte. Para Marx, esse período é o prólogo da revolução, um governo provisório no qual várias vozes dissonantes ecoam.
O Segundo Período é o da fundação da República Burguesa, que vai de maio de 1848 à maio de 1849. Durante o início da formação de tal república, o proletariado cônscio de seu caráter burguês tentou anulá-la sofrendo uma derrota que afastou os dirigentes proletários de seu partido.
A monarquia burguesa de Luís Filipe só pode suceder uma república burguesa, ou seja, enquanto um setor limitado da burguesia governa em nome do rei, toda a burguesia governará agora em nome do povo. (p. 26)
O Terceiro Período, portanto, é o da República Constitucional que se prolonga de maio de 1849, eleição de Luís Bonaparte para a presidência à dezembro de 1851, quando este deflagra o golpe de Estado levando a França ao Segundo Império. Contudo, para o autor, a questão francesa é mais profunda e não se trata exclusivamente de uma opção entre monarquia e república; essa questão revela o despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras:
Provara que em países de velha civilização, com uma estrutura de classes desenvolvida, com condições modernas de produção, e com uma consciência intelectual na qual todas as idéias tradicionais se dissolveram pelo trabalho de séculos – a república significava geralmente apenas a forma política da revolução da sociedade burguesa e não sua forma conservadora de vida... (p. 27)
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