quarta-feira, 19 de junho de 2013

Por uma revalorização da política.

A postagem de hoje procura contribuir um pouco com algumas reflexões sobre o que está se passando no Brasil com as mais diversas manifestações que vem ocorrendo nas cidades do país. É um texto produzido no calor do momento. É uma forma de tentar pensar algumas questões publicamente. Não há uma reflexão sistematizada, mas é a minha contribuição do momento. Como sempre, não tenho a verdade de nada.
É impossível não pensar e não falar em outra coisa além das manifestações e protestos que vem ocorrendo em diversas cidades brasileiras nas últimas semanas. Há, tanto nos espaços virtuais quanto na sociedade, um sentimento de euforia pelo momento que passa o país, o que se torna evidente nas milhares de hashtags espalhadas pelo facebook (#ogiganteacordou, #vamoprarua, dentre outras tantas). No entanto, a euforia precisa ceder seus momentos para a razão. É necessário perceber as virtudes e apontar os limites desse momento.
Sem dúvida, é maravilhoso ver o número de manifestações e de manifestantes em nosso país, que, historicamente, sempre procurou criminalizar[1] todos os tipos de manifestações e movimentos sociais, encarando-os como atos de vandalismo e baderna. O número de manifestantes impressiona, gera otimismo e a vontade irrefreável de participação nesse momento histórico do Brasil. Esse contágio se mostra válido na medida em que diversas cidades pacatas do interior do país estão se reunindo e saindo as ruas para protestarem.
Todavia, é necessário refletir e apontar algumas questões relevantes em torno das manifestações e, sobretudo dos manifestantes. Existes algumas questões bastantes óbvias que não necessitam de uma discussão mais detida, como o vandalismo de alguns manifestantes. Não é preciso dizer quão estúpidos são esses atos. Mas, felizmente, estes são a minoria dos que se manifestam e, ainda, os manifestantes que não aderiram ao vandalismo procuram impedir atos de depredação do patrimônio público, o que reforça o caráter pacífico dos protestos, o que precisa ser, de fato, elogiado.
O que gostaria, portanto, de analisar é o conteúdo político que aparece nessas manifestações. Nota-se uma rejeição aos partidos políticos e mesmo à política institucional brasileira, que, na visão dos manifestantes, não representa os interesses do povo brasileiro. Esses fatos se evidenciam com nitidez nas discussões existentes nas redes sociais e nas próprias manifestações, quando as bandeiras dos partidos políticos, sejam quais forem, são terminantemente proibidas.
Tal rejeição é totalmente compreensível no Brasil. Aparentemente, não há distinções entre partidos políticos. Os políticos brasileiros representam mais seus próprios interesses que os interesses do povo que os elegeu, o que é também inegável. No entanto, essa rejeição aos partidos e a política institucional pode se mostrar perigosa e prejudicial ao andamento dos movimentos e das manifestações.
O partido político, como já detectara Antonio Gramsci no início do século XX, é a instituição responsável por estabelecer a mediação entre a sociedade civil e a sociedade política. Assim, o partido se comporta como um intelectual coletivo, sendo responsável por absorver, criar e reproduzir as vontades coletivas surgidas na sociedade civil. Nesse sentido, para Gramsci, o partido político, a partir da vontade coletiva, entra na disputa pela hegemonia na sociedade, almejando tornar-se governante dentro da sociedade. Na análise gramsciana, o partido não aparece como uma instituição contrária aos interesses da sociedade como um todo; pelo contrário, o partido político brota dos interesses históricos da sociedade civil.
No Brasil, portanto, é necessário perceber, e creio que os manifestantes também o perceberam, que os partidos políticos representam determinados setores da sociedade civil que possuem interesses distintos aos interesses da população em geral. No entanto, na configuração política atual brasileira, as instituições parecem ser ainda necessárias à população brasileira, de modo que rejeitá-las integralmente pode fazer com que as manifestações esbarrem em dificuldades insolúveis.
Isso ocorre porque é necessário que os interesses que brotam da sociedade civil se manifestem dentro da sociedade política. Deste modo, é preciso que novos intelectuais coletivos surgem no sentido de organizar esses interesses da sociedade civil, para que estes interesses se universalizem dentro da sociedade brasileira. Esse intelectual coletivo pode surgir por baixo, do interior desses movimentos, de modo que essas manifestações podem gerar atores políticos que atuem no interior das instituições brasileiras, transformando-as por dentro. Com isso, haveria a construção de uma instituição representativa dos interesses dessa sociedade.
Essa rejeição dos partidos e da política institucional explica-se historicamente. Tais manifestações se inserem, globalmente, em um momento que se prolonga desde o início dos anos 1990, que nomeia-se pela crise das ideologias. Findo o embate entre socialismo e capitalismo e finda a URSS, a distinção entre esquerda e direita parece ter se esgotado e as ideologias parecem ter se acabado. Em uma perspectiva nacional, esses movimentos partem de uma geração, a geração que nasceu no final dos anos 1980 e início dos 1990, que transformou a política e os políticos em sinônimos de bandidagem e busca de interesses próprios. Isso ocorre por razões óbvias. Nossa transição democrática não se resolveu de modo satisfatório, ainda que o projeto mais conservador dos militares não tenha sido efetivado de modo integral. As Diretas Já! reúnem milhares de pessoas em diversas manifestações e são derrotadas, de modo que a primeira eleição pós-ditadura militar ocorre de modo indireto. Para agravar a situação, o primeiro presidente que elegemos é Fernando Collor. Para além disso, assistimos casos e mais casos de corrupção no Brasil, como o recente Mensalão.
Diante disso, é necessário refletir acerca dos caminhos que tais protestos desejam tomar. É ponto consensual que os partidos e instituições que temos no Brasil não nos representam. No entanto, me parece não ser possível haver progressos mais sólidos dessas manifestações sem uma nova proposta de representação política no Brasil. A reformulação dos partidos, obviamente, não é o caminho exclusivo para uma reforma política no Brasil, mas parece ser um dos elementos fundamentais, dada a concepção de partido político enunciada acima.
Nesse sentido, creio que um caminho para as manifestações no Brasil seja o do aprendizado. Creio que tais movimentos devam promover o aprendizado da revalorização da política no Brasil. Diante das revoltas, os manifestantes devem desfazer a concepção da política como sinônimo da busca dos interesses pessoais, passando a revalorizá-la como uma esfera de mediação de interesses coletivos necessária ao progresso e consolidação da democracia no Brasil.
Contudo, alcançar o caminho da coletividade parece ser complicado. Apesar de milhares de pessoas estarem protestando ao mesmo tempo em diversos lugares, não há coesão entre os manifestantes. Diversas ideologias e propostas coexistem dentro do movimento. Protesta-se contra uma multiplicidade de pontos, tanto à esquerda quanto à direita. Parece-me que isso é um sintoma claro da historicidade do tempo em que vivemos. As propostas de coletividade decrescem em torno de propostas individualistas, gerando, assim, uma sociedade atomizada e líquida, no sentido dado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Isso também demonstra que as propostas globais de transformação da sociedade, ou macroprojetos alternativos, estão em descrédito. A leitura do filósofo Slavoj Zizek sobre os movimentos Occupy de 2011 parece também adequar-se ao que acontece no Brasil de hoje. Para o filósofo, tais movimentos se colocam na oposição de determinada ordem estabelecida, no entanto, não conseguiram formular ainda um projeto alternativo para tal ordem. Assim, no Brasil, estamos fartos da ineficiência do Estado brasileiro em oferecer determinados serviços; todavia, não sabemos que colocar no lugar dessa ordem estatal.
Portanto, creio que seja necessário que tais movimentos busquem uma reavaliação da idéia de política no Brasil. Além disso, é também necessário utilizar esse momento de oposição para gestar um novo projeto político coletivo que possa organizar e unificar essa oposição no sentido de transformar a ordem política brasileira, transformando, de fato a sociedade. Caso isso não seja feito, é possível que as manifestações prossigam e terminem em si mesmas.




[1] É importante notar que a mídia brasileira mostra uma mudança de opinião em relação aos protestos no momento em que o autoritarismo policial atinge os manifestantes e inclusive os jornalistas. Fato que evidencia esse mudança de opinião é já clássico programa do Datena, que o apresentador, ao ver as opiniões em uma enquete do programa, transforma o enfoque dado as manifestações.

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